"Borderline é um termo em inglês que quer dizer fronteiriço, limítrofe, e que denomina o transtorno de pessoas que vivem exatamente assim: no limite de suas emoções" - Ana Beatriz Barbosa Silva, médica pós-graduada em psiquiatria e escritora.

24 de outubro de 2013

BORDERLINE – criança interrompida, adulto borderline Taty Ades e Eduardo Ferreira Santos. São Paulo. Editora Isis. 2012

As doenças e traços de personalidade estão sendo discutidas por psicanalistas e sociólogos como fator sociocultural, o que em minha opinião (da autora), é de extrema relevância e importância. Os casos de pacientes depressivos estão aumentando consideravelmente desde os anos 70 e se levarmos em conta que 70% da população sofre desse mal, pode parecer algo assustador e de fato é. Os casos limítrofes são diagnosticados com maior porcentagem, vamos então refletir a dor dessas pessoas e o que a modernidade, o social, o cultural, a mídia podem provocar e desencadear nelas.

O borderline aprende desde muito cedo na vida, que ele é uma pessoa ruim, e que ele faz com que as coisas ruins aconteçam. Ele começa a esperar por punições e se elas não vêm, ele mesmo irá buscá-las, causá-las (autopunições). Geralmente apresenta-se no início da fase adulta, trazendo grande instabilidade emocional, descontrole dos impulsos e risco de suicídio bastante aumentado, o qual tende a diminuir com o avanço da idade. 

O indivíduo borderline vive uma quantidade excessiva de crises, estressores ambientais, relacionamentos interpessoais problemáticos, situações ocupacionais difíceis. Fica realmente complicada para ele desfrutar ou encontrar significado na vida.

É muito comum não conseguirem seguir uma profissão, uma ocupação, por diversos motivos, entre eles: não lidam bem com críticas, têm baixa tolerância à frustração, apresentam dificuldade em se concentrar, em perseverar, apresentam uma incapacidade de aceitar regras e torina. Além isso, são bastante inconstantes em sua opiniões e planos.

É importante frisar que o TPB é uma doença seríssima e não uma característica de uma pessoa mimada querendo chamar atenção. Isso não significa que o borderline não deva ser responsável pelos seus erros e faltas de limites, ele deve com entender o problema e conseguir brecar essa falta de controle e impulsos trabalhando junto ao seu psicanalista.

Borderline, criança interrompida – adulto borderline é um livro esclarecedor de leitura obrigatória a todo border, bem como aqueles com os quais ele convive por desnudar a complexidade do TPB.

De leitura fácil, agradável, o livro prende o leitor de seu início ao fim, como se diz: ‘livro para ser lido numa sentada’.

Desmascara mitos ao estabelecer correlação com outros transtornos existentes.

Traz um foco muito interessante sobre o borderline na idade adulta, inclusive, muito rico em depoimentos.

Insiste da necessidade de um correto diagnóstico para a eficácia no tratamento. O contrário pode trazer prejuízos acentuados, inclusive, com a ilustração por parte de um paciente tratado por longos anos de maneira equivocada.

Dedica um capítulo a discussão da imputabilidade e inimputabilidade do portador de borderline.

Ao final, um depoimento emocionante de Lola, uma border adulta problema por ter sido uma criança interrompida. ...'Ele se aproximou e tocou meus pés, massageando-os, depois foi subindo e prosseguiu a massagear minhas coxas e penas, lembro-me bem da camisola de Minie que eu usava, hoje penso no contraste dessa cena! Quando me tocou lá... eu senti medo, confusão, mas ele era meu pai. Os encontros prosseguiram e aos oito anos senti a dor física de estar sendo penetrada, algo dentro de mim arrebentou, o sangue jorrou e minha infância se quebrou também. Não sei como aguentei calada, mas sei que a dor permaneceu por dias, senti febre e disse a minha mãe que não queria ir ao médico, de alguma forma eu lutei e sobrevivi. Meu pai era o catador de conchas, o estuprador, o pedófilo, quanta contradição!...'


Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)

17 de outubro de 2013

O MILAGRE DE SÃO BONIFÁCIO

Papisa Joana, livro do escritor grego, Emanuel Royidis, narra a história de uma inglesa que por conta de sua competência e ambição chegou ao Trono de Pedro, durante a Idade Média. Não se excluiu aos demais textos literários no que se concerne ao amor. Uma história envolvente entre uma noviça e um monge, cuja cegueira de amor lhe trouxe dores irreparáveis até o dia em que conseguiu a liberdade.

[Era chegado o momento de partir. Mas partir só. Como? Simples carícias com os dedos nos cabelos e o hálito quente na face foi o suficiente para que o amado esquecesse os maus tratos e até as traições. Cansado adormeceu. Ao acordar no dia seguinte procurou Joana por toda a cidade e não a encontrou. Havia partido para a cidade de Roma, em carona numa embarcação pertencente ao Bispo de Gênova, substituindo o padre que morrera durante a viagem. Numa noite, São Bonifácio a quem Frumêncio havia gritado por socorro pelo abandono de Joana, apiedado pelo sofrimento do monge beneditino, desceu dos céus abriu o peito do rapaz adormecido com uma faca, enfiou os dedos santificados na ferida e dali retirou o coração, mergulhando-o num buraco cheio d’água previamente benzida. O coração que ardia chiou na água benta como anchova em frigideira. Quando esfriou, o santo recolocou-o no lugar e, depois de haver fechado a ferida, regressou ao céu. [...] Dali a pouco passou por ele (o monge) uma jovem ordenhadora, carregando a ânfora de leite na cabeça e uma grinalda de flores na mão direita. Chamou-a e desfrutou-a completamente. E quando Amarilis tirou a moeda de cobre dos dedos dele, beijou-lhe a mão e seguiu o caminho... Frumêncio, em pé, quedou-se a contemplá-la, compreendendo, pela primeira vez, que na vida, havia outras mulheres no mundo além de Joana].

São Bonifácio pode ser substituído pela ressignificação da vida, ou com a ajuda de terapias, às vezes, implicando até em tratamento medicamentoso. A ninguém é dado o direito de conviver com a pior de todas as dores - a dor do vácuo emocional provocada por um vazio crônico; a dor - de quem se legitima no outro, pela perda da identidade; a dor - de quem vive os excessos de sentimento; a Dor - de quem é só emoção; a dor - de quem não ama, depende; a dor - de quem vive uma situação limítrofe entre a neurose e a psicose.


Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)

12 de outubro de 2013

ISSO DIZ MUITO!...


Charles Kiefer em seu livro ‘para ser escritor’ faz um questionamento deveras interessante: ‘Alguém teria a coragem de se anunciar escritor sem livro publicado? Escritor de Blog? Ele mesmo responde: Não, ainda não. Ainda não é possível ser escritor somente em blogs. Nem sabemos se um dia será. E observa: Talvez o blog seja isso mesmo: um espaço de treinamento, um espaço gaveta em que guardamos os nossos originais até a chegada da hora de fazermos a seleção do material para a publicação em livro, com capas, orelhas e cólofon. E vaticina: O cinema não matou o teatro. A internet não matará o livro.

Sempre li muito. A própria escolha de ser professor e não estar professor exigia isso. Também gosto muito de escrever. Principalmente depois de aposentada a Tribuna Escolar, a sala de aula. Os jornais levavam minhas opiniões a uma parcela da sociedade até onde alcançavam. O mesmo com relação às revistas. Estive como cronista, articulista e editor.

Hoje moro no lugar onde as luzes da cidade não apagam o brilho das estrelas, o campo. Você que me lê neste instante já observou isso? Na roça o céu é muito mais estrelado. Senti isso quando solitário num rancho de pau-a-pique coberto com folhas de buriti na região do ‘Batan’, em Goiás. Lá não existia energia elétrica. Passava meus finais de semana na companhia de um rádio de pilha e a luz de um lampião a querosene. Quando estiver numa propriedade rural faça isso! Apague todas as luzes e olhe para o céu.

Com esse negócio de internet facilitou tudo. Até a roça mudou. A contemplação que existia para com o céu estrelado, a lua, o sol nascente ou poente foi engolida pelo tal de Facebook. Mas voltando ao assunto do blog. Como sou muito desorganizado e escrevo em tudo que encontro pela frente, caderno, livro, folha de papel A-4, verso de nota fiscal, computador, não precisa de lhe dizer, caro leitor, que quando necessito de algum de meus escritos é aquela loucura. Então resolvi seguir os conselhos de Charles Kiefer. Primeiramente criei um blog onde escrevia de tudo. Mas, as pessoas não gostam de ler ‘de tudo’. Em função disso criei vários blogs, cada um abordando um tema. Atualmente são cinco, e este texto se deve ao acontecido quando fui preparar o primeiro post para o sexto. Assim que abri um livro para ler e resenhá-lo encontrei um escrito na 2ª página que achei pertinente ao propósito deste blog.

‘Estar só, não é muito das vezes não enxergar ninguém à sua volta quando dos momentos mais difíceis; é sim, ser rejeitado por aqueles que nem lhe conhece. Isto sempre acontece comigo. Eu, 13/03/1988’.

Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)       

8 de outubro de 2013

CORAÇÕES DESCONTROLADOS, Ana Beatriz Barbosa Silva. 2ª edição, Rio de Janeiro: Editora Frontanar, 2012.

Ciúmes, raiva, impulsividade – o jeito borderline de ser - 

Médica, professora, palestrante, escritora, graduada pela UERJ com pós-graduação em psiquiatria pela UFRJ, a autora é referência no tratamento de transtornos mentais. A linguagem precisa, correta, clara, simples, concisa e expressiva; o jeito professoral de falar e didático no escrever, a transformou numa profissional requisitadíssima em programas televisivos, o que, de certa forma, desmistificou e popularizou temas como os transtornos de comportamento.

O livro aborda o Transtorno de Personalidade Bordeline caracterizado por comportamentos explosivos de raiva, tristeza, impulsividade, teimosia, instabilidade de humor, ciúmes intensos, apego afetivo, desespero, descontrole emocional, medo da rejeição, insatisfação pessoal de forma freqüente, intensa e persistente que ‘acabam por produzir um padrão existencial marcado por dificuldades de adaptação do indivíduo ao seu ambiente social’.

Dois aspectos chamam a atenção na construção do livro. O primeiro é que os capítulos são abertos com uma citação literária ou letra de música, contextualizadas. Uma pergunta: houve a criação de um personagem pelo poeta ou letrista, ou ele se retratou? Segundo, é que a ilustração com casos reais vividos em consultório dá uma compreensão maior e melhor sobre o transtorno.

Estar border, parecer border e ser border, eis a questão!

A autora esclarece:

O estar border ‘sempre se restringe a uma situação, na qual nos sentimos rejeitados, fortemente frustrados ou demasiadamente estressados. Passado algum tempo, pouco em geral, tendemos a nos reorganizar e seguir em frente’. O parecer border ‘já implica uma maneira de ser e agir que lembra a personalidade borderline, mas essas pessoas não preenchem os critérios diagnósticos necessários para serem classificadas como portadoras do transtorno propriamente dito. Elas apresentam, inequivocamente, alguns sintomas característicos do transtorno ou, ainda, vários deles. No entanto, a intensidade e a freqüência dos mesmos são insuficientes para caracterizar o caso clássico de personalidade borderline. Em situações como essa, costumamos usar o conceito traço. E, ser border, é ser portador de, no mínimo, cinco das características descritas por um período de pelo menos um ano (em contextos sociais diferentes) para que o diagnóstico possa ser estabelecido de fato.

Características descritas:

1ª – Impulsividade potencialmente perigosa em pelo menos duas áreas (exemplo: gastos excessivos, promiscuidade, direção perigosa, abuso de drogas, compulsão alimentar etc.).
2ª – Ira inapropriada e intensa ou dificuldade para controlá-la.
3ª – Instabilidade afetiva devido a uma grande reatividade do estado de humor.
4ª – idéias paranóides transitórias relacionadas a estresse ou sintomas dissociativos graves.
5ª – Alteração de identidade: instabilidade acentuada e resistente a autoimagem ou do sentimento do self.
6ª – Um padrão de relações interpessoais instáveis e intensas.
7ª – Esforços frenéticos para evitar um abandono real ou imaginário.
8ª – Ameaças, gestos ou comportamentos suicidas recorrentes ou comportamentos de automutilação: 90% dos bordelines irão cometer uma tentativa de suicídio e, desses, 10% serão bem-sucedidos.
9ª – Sentimentos crônicos de vazio.

Caro leitor, abro aqui um parêntese para uma advertência. Autodiagnóstico em transtornos de personalidade é o mesmo que automedicação em doença orgânica. Requer a presença de um profissional habilitado. Principalmente neste caso, onde, estar border não é o mesmo que parecer border, menos ainda ser border.

Amy Winehouse, ‘explosiva, encrenqueira e talentosa’; Marilyn Monroe, ‘bela, sexy e imoral’; Tony Curtis, ‘ascensão e queda de um astro’; Janis Joplin, ‘a aloprada do rock’; Elizabeth Taylor, ‘filmes, vícios, luxo e sete maridos’, celebridades com suposto funcionamento borderline em recorte biográfico pela autora.

Finalmente, uma posição encorajadora exarada pela autora [...] ‘podemos observar que a melhora é possível em 100% dos casos. Não estou aqui me referindo a uma cura milagrosa ou mágica, até porque não podemos esquecer que, antes de tudo, o transtorno de personalidade borderline é uma forma de ser e, sendo assim, não há como negar, desmerecer ou mesmo mudar de maneira radical essa realidade. O que queremos e a que nos propomos é transformar, de forma paulatina e consciente, o paciente que sofre em uma pessoa minimamente estável, feliz e apta a atingir seu potencial, a fim de ser o melhor que ela pode ser.


Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)

5 de outubro de 2013

Conexões

05/10/2013 – Ao abrir o computador e buscar uma conexão com a internet, uma mensagem de suspensão temporária dos serviços. Isto foi o bastante para a explosão. Nem mesmo havia aberto minha biblioteca onde passo em média de oito horas por dia, muito menos feito minha prece. Se você perguntar se creio, responderei com toda sinceridade d’alma - não sei. O que sei é que a prático todas as manhãs. Vou até a cozinha e tomo um café. Dirijo-me à biblioteca. Ligo o meu companheiro de leitura, um rádio adquirido nesses ‘camelódromos’ da vida, by in Paraguay (gosto da grafia com ‘y’) que através de uma entrada para pendrive me possibilita a sonoridade de belas páginas musicais. O piano de Pierre Jancovic inicia o contraponto entre as notas mais agudas e as mais graves, característica desse virtuose. Vou a estante, e, numa seção específica, puxo um livro, coloco-o sobre a mesa, faço a oração e o abro aleatoriamente. A lição, vamos assim referir ao texto, possui o seguinte título: MALES PEQUENINOS, assinado por Albino Teixeira.


Uma observação: um escrito a mão utilizando-se uma caneta tinteira no espaço acima do título descendo pela margem lateral direita da página chama a atenção. Logo reconheço, a grafia é minha.



17/02/2004 – Me encontro num desconsolo único. Parece-me que quanto mais busco a Deus, tanto mais lhe rogo através de minhas preces – aliás, diárias - mais a obsessão toma conta de mim. Irado, encolerizado vou destruindo tudo pela frente. Estou com uma ideia fixa de que viver não vale a pena. Encontro-me só. Não mais conto com uma viva alma para amparar-me. Tenho receio de... Mas esta lição me traz algo de luz. Vamos vê-la, senti-la e assim crê-la. Nem mesmo as ‘Ave Maria’ de Gounod, Somma, Schubert me emocionam mais. Meu Deus, que será de mim!... (00h40min).

MALES PEQUENINOS

Guardemos cuidado para com a importância dos males aparentemente pequeninos.
Não é o aguaceiro que arrasa a árvore benemérita. É a praga quase imperceptível que se lhe oculta no cerne.
Não é a selvageria da mata que dificulta mais intensamente o avanço do pioneiro. É a pedra no calçado ou o calo no pé.
Não é a cerração que desorienta o viajor, ante as veredas que se bifurcam. É a falta da bússola.
Não é a mordedura do réptil que extermina a existência  de um homem. É a diminuta dose de veneno que ele segrega.
Assim, na vida comum.
Na maioria das circunstâncias não são as grandes provações que aniquilam a criatura e sim os males supostamente pequeninos, dos quais, muita vez, ela própria escarnece, a se expressarem por ódio, angústia, medo e cólera, que se lhe instalam, sorrateiramente, por dentro do coração.


Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)