"Borderline é um termo em inglês que quer dizer fronteiriço, limítrofe, e que denomina o transtorno de pessoas que vivem exatamente assim: no limite de suas emoções" - Ana Beatriz Barbosa Silva, médica pós-graduada em psiquiatria e escritora.

14 de dezembro de 2013

ALTA SENSIBILIDADE EMOCIONAL, novas perspectivas/Helena Polak: Clube de Autores. São Paulo. 2013.

A autora é professora e tradutora. Mora nos arredores de Belo Horizonte – MG, onde curte a família, amigos, as leituras, o trabalho e a natureza. Interessou-se pelo tema Transtorno de Personalidade Borderline (Limítrofe) após um caso de pessoa muito próxima, onde, após pesquisas e estudos sobre o tema publicou o livro Sensibilidade à flor da pele. Neste primeiro livro a autora de enfoque especial às pessoas que convivem com o ‘border’. Interessante contribuição à literatura brasileira sobre o assunto, uma vez que a grande maioria de site, blogs e publicações encontram-se, principalmente, no idioma inglês. A aceitação trouxe a responsabilidade de publicar uma obra para o portador de TPB com definições sobre o transtorno, sua identificação, a necessidade de um profissional qualificado para o fechamento do diagnóstico, seu tratamento e dicas para o paciente.

Traz uma informação nova exarada do Primeiro Congresso Internacional sobre Borderline, realizado na cidade de Berlim, na Alemanha, no ano de 2010, onde um dos novos nomes propostos para o distúrbio é ‘Transtorno de Regulação Emocional’, pois segundo a autora, é justamente a ‘(des)regulação emocional’ que traduz a dificuldade que a pessoa tem em regular, modular, controlar e até reconhecer e classificar suas próprias emoções.

Segundo a autora, ‘foi justamente pensando neste aspecto – o da frequente demora em se encontrar ajuda terapêutica eficaz – e considerando que esse tempo perdido é traduzido em sofrimento para todas as pessoas e sua família – que tomamos a iniciativa de oferecer uma compilação de ‘primeiros passos’ para que a própria pessoa com sintomas Borderline possa ir adquirindo mais consciência e autoconfiança até que se consiga ter acesso ao devido apoio profissional’.

O livro é encerrado com depoimentos de algumas pessoas diagnosticadas com Transtorno de Personalidade Borderline o que enriquece o propósito da obra.

Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)

2 de dezembro de 2013

UMA MENTE INQUIETA, Kay Redfield Jamison : tradução de Waldeia Barcelos. – 2ª edição. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes. 2009.

‘Um extraordinário relato sobre a doença maníaco-depressiva. Belo. Humano e rico em informações médicas. Às vezes poético outras vezes direto, sempre despudoradamente honesto’. (The New York Times Book Review)

Psicose Maníaca Depressiva atualmente conhecida como Transtorno Bipolar é uma desordem cerebral que provoca alterações incomuns no humor, energia e capacidade de desempenhar funções. Um indivíduo com Transtorno Bipolar sofre alterações de humor desde a mania (euforia) até a depressão (tristeza, baixo estima e baixa autoestima). Durante a fase de mania aparece como sintomas: sentir-se como no topo do mundo, abundância de energia, falar e pensar rapidamente, expor numerosas ideias, pensar que é invencível, ter comportamentos imprudentes e perigosos para si e para os outros, ter delírios de fama, acreditar que tem relacionamento especial com alguém famoso, sofrer falta de sono, ser facilmente distraído e frequentemente irritável. Por outro lado, durante a fase depressiva: sentimento de falta de esperança, perda de interesse em outras pessoas e atividades usuais, sofrer flutuação de peso, sensação de cansaço contínuo, dormir mais que o normal ou ser vítima da insônia, queixa de dores inexplicáveis, problemas de concentração e risco de suicídio. Sobre as causas são relacionadas: a hereditariedade, alterações químicas cerebrais e o estresse. No caso do transtorno bipolar não se trata apenas de mudanças de humor durante o dia, mas sim alternâncias de fases entre mania e depressão que podem durar dias, semanas e meses. Envolve uso de álcool e outras drogas. Podem incluir sintomas psicóticos como alucinações (escutar, ver e sentir coisas que não estão ali) e delírios (falsas crenças mantidas com grande convicção). O tratamento normalmente associa o medicamentoso com psicossocial cujo sucesso quase sempre está relacionado à sua continuidade.

Uma mente inquieta é um livro único. Traz a experiência de uma profissional da saúde, Kay Redfield Jamison – professora associada de psiquiatria da ‘The Johns Hopkins University of Medicine’. Coautora com o doutor Frederick K. Godwin de um dos melhores textos de transtornos afetivos. O livro ‘Uma mente Inquieta’ tornou-se literatura indispensável aos profissionais da saúde relacionados e pacientes portadores do Transtorno Bipolar. Cientista dedicada à pesquisa e ao tratamento de uma doença em que convive como paciente, chegando ao sucesso profissional conquistando respeitabilidade mundial enfrentando os preconceitos, dificuldades, alegrias e tristezas no seu caminhar no tempo e no espaço.

Uma mente inquieta é um testemunho-biográfico corajoso de uma psicóloga clinica, de leitura que prende o leitor de seu inicio ao fim. Um livro para ser lido numa sentada só.

Eu não gostaria de voltar a passar por uma depressão prolongada. Ela exaure os relacionamentos através da suspeita, da falta de confiança e de amor-próprio, da incapacidade de aproveitar a vida, de caminhar, conversar ou raciocinar normalmente, da exaustão, dos terrores noturnos, dos terrores diurnos. Não há nada de bom que se possa dizer da depressão, a não ser que ela nos dá a experiência de como deve será velhice, ser velho e doente, estar à morte; ter a mente lerda. Não ter elegância, educação ou coordenação; ser feio; não acreditar nas possibilidades da vida, nos prazeres do sexo, na perfeição da música ou na capacidade de provocar riso em nós mesmos e nos outros’. (Uma mente inquieta, p. 259/260).


Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)

17 de novembro de 2013

O CORPO E SEUS SÍMBOLOS – uma antropologia essencial – Jean-Yves Leloup / org. Lise Mary Alves de Lima19ª ed. Petrópolis RJ: Ed Vozes, 2011.

Jean-Yves Leloup é sacerdote hesicasta, teólogo, filósofo, Phd em psicologia, fundador do Colégio Internacional dos Terapeutas, conferencista e escritor conhecido mundialmente. Possui dezenas de publicações na área da espiritualidade e da exegese, dentre as quais Judas e Jesus, Jesus e Maria Madalena e os comentários aos evangelhos apócrifos de Maria, Tomé e Felipe.

O corpo e seus símbolos – uma antropologia essencial – é um livro fiel ao Seminário com o mesmo título, numa tradução de Regina Fittipalde, da Unipaz, onde o autor dentro da visão trinitária: somática, psíquica e espiritual percorre o universo do corpo dos pés à cabeça revelando a inteireza do templo carnal humano.

O autor parte do princípio de que o corpo humano é a memória mais arcaica do vivente. Nele nada passa despercebido ou é esquecido. A cada acontecimento vivido, particularmente, na primeira-infância, bem como na vida adulta, deixa nele sua marca indelével. Toma como referência a Bíblia, os costumes de judaicos, chineses e hindus e os Terapeutas de Alexandria, que na sua origem não eram médicos, e sim, membros de uma Escola Judaica que existia antes e durante a presença de Jesus neste Planeta. Espalhados por várias regiões do mundo, com maior expressividade no Egito, na cidade de Alexandria, cujo propósito era o de ‘cuidar do ser’. Afirmavam: enquanto os médicos cuidam do corpo, os Terapeutas de Alexandria cuidam também do psiquismo responsáveis por doenças penosas e difíceis como o apego ao prazer, à desorientação do desejo, tristeza, fobias, inveja, ignorância, desajustamento responsável por uma série de outras patologias e sofrimentos, abordando o homem em sua inteireza: corpo, psique e espírito. Estudar o corpo humano em cada uma de suas partes do ponto de vista físico, psicológico e espiritual.

O autor começa sua análise pelos pés indo até a cabeça, onde ao enfocar os tornozelos propõe uma releitura menos Freudiana e mais Junguiana e transpessoal do mito de Édipo, referenciando-se a mitólogos e etnólogos, dentre eles Lévi-Strauss, alegando ‘que este mito não funciona da mesma maneira em todas as culturas e há outros modos de interpretá-lo’. Quando aborda o ventre assevera que ‘ter ventre é ter centro’ e exemplifica referenciando a esculturas romanas, Cristo, Virgens Romanas, Buda, Lão Tse. Todos com ventres proeminentes. Uma observação em relação à coluna vertebral: ‘não se pode mentir com a coluna vertebral ereta. Na presença da mentira ela sempre se inclinará para o lado, e outras interessantes análises.

Se não podemos mudar nossa natureza, que ao menos a oriente.

Ao final de cada capítulo perguntas sobre o texto respondido de maneira pedagógica pelo autor.

Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)

13 de novembro de 2013

SENSIBILIDADE À FLOR DA PELE – entendendo o Transtorno Borderline / Helena Polak: Clube de Autores. 2013.

Helena Polak é professora e tradutora, moradora nos arredores de Belo Horizonte MG, curtindo a família, os amigos, as leituras, o trabalho, a natureza e após deparar-se com um familiar com comportamentos ‘inesperados e preocupantes’ saiu em busca de uma explicação para o fato. Pesquisou, estudou, consultou profissionais da área de saúde mental até que foi constatado o Transtorno de Personalidade Borderline (limítrofe). Diante da eficácia de abordagens específicas resolveu compartilhar através do livro ‘esclarecimentos iniciais sobre diversos aspectos de um transtorno pouco conhecido ainda pelo público em geral, porém, bastante comum’, oferecendo experiência de como conviver com um ‘border’ – indivíduo acometido pelo transtorno. Agrega ao livro comentários de pessoas com características borderline e depoimentos de pessoas de covivência comum com os mesmos. O livro foi editado pelo Clube de Autores, podendo ser adquirido na versão impressa ou eletrônica pelo site www.clubedeautores.com.br.

1 – Por que distorce os fatos?
2 – Como pode ter uma memória tão seletiva?
3 – Por que fica tão transtornada quando acha que alguém está desconfiando dela?
4 – Por que fica descontrolada com uma pequena mudança de planos?
5 – Por que às vezes dá ‘patadas’ quando alguém faz um comentário com as melhores intenções?
6 – Por que varia de humor de uma hora para outra?
7 – Por que me acusa de coisas injustamente?
8 – Por que me ataca e me xinga sem motivo aparente?
9 – Por que às vezes tenho a impressão de que ela não dá a mínima para os meus sentimentos?
10 – Como pode me prejudicar em termos financeiros e profissionais sem demonstrar remorso?
11 – Por que tantas vezes me sinto manipulado e encurralado?
12 – Como é que ela consegue ser tão convincente em suas declarações – mesmo incorretas – perante os outros?

Para a autora, são perguntas que se já passaram por sua cabeça, é possível que você esteja diante de uma pessoa com Transtorno de Personalidade Limítrofe (Borderline). Em caso de positividade, a mesma deve ser ‘contemplada, avaliada e/ou confirmada por um profissional da área de saúde mental’, no entendimento da autora, ‘única pessoa com competência para diagnosticar e fazer o tratamento e acompanhamento terapêutico’ de um border. Entretanto, continua a autora, ‘a participação positiva dos que amam a pessoa assim diagnosticada é de suma importância, razão pela qual são oferecidas as informações e dicas aqui contidas’ (no livro).

Sensibilidade à flor da pele – entendendo o Transtorno Borderline – um livro escrito por uma autora não acadêmica ou profissional da área de saúde mental torna-se leitura obrigatória àqueles que convivem com indivíduos portadores do Transtorno. Mais do que alusivo a pesquisas, estudos, consultas - Helena Polak traz uma vivência com um ‘border’.


Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)

24 de outubro de 2013

BORDERLINE – criança interrompida, adulto borderline Taty Ades e Eduardo Ferreira Santos. São Paulo. Editora Isis. 2012

As doenças e traços de personalidade estão sendo discutidas por psicanalistas e sociólogos como fator sociocultural, o que em minha opinião (da autora), é de extrema relevância e importância. Os casos de pacientes depressivos estão aumentando consideravelmente desde os anos 70 e se levarmos em conta que 70% da população sofre desse mal, pode parecer algo assustador e de fato é. Os casos limítrofes são diagnosticados com maior porcentagem, vamos então refletir a dor dessas pessoas e o que a modernidade, o social, o cultural, a mídia podem provocar e desencadear nelas.

O borderline aprende desde muito cedo na vida, que ele é uma pessoa ruim, e que ele faz com que as coisas ruins aconteçam. Ele começa a esperar por punições e se elas não vêm, ele mesmo irá buscá-las, causá-las (autopunições). Geralmente apresenta-se no início da fase adulta, trazendo grande instabilidade emocional, descontrole dos impulsos e risco de suicídio bastante aumentado, o qual tende a diminuir com o avanço da idade. 

O indivíduo borderline vive uma quantidade excessiva de crises, estressores ambientais, relacionamentos interpessoais problemáticos, situações ocupacionais difíceis. Fica realmente complicada para ele desfrutar ou encontrar significado na vida.

É muito comum não conseguirem seguir uma profissão, uma ocupação, por diversos motivos, entre eles: não lidam bem com críticas, têm baixa tolerância à frustração, apresentam dificuldade em se concentrar, em perseverar, apresentam uma incapacidade de aceitar regras e torina. Além isso, são bastante inconstantes em sua opiniões e planos.

É importante frisar que o TPB é uma doença seríssima e não uma característica de uma pessoa mimada querendo chamar atenção. Isso não significa que o borderline não deva ser responsável pelos seus erros e faltas de limites, ele deve com entender o problema e conseguir brecar essa falta de controle e impulsos trabalhando junto ao seu psicanalista.

Borderline, criança interrompida – adulto borderline é um livro esclarecedor de leitura obrigatória a todo border, bem como aqueles com os quais ele convive por desnudar a complexidade do TPB.

De leitura fácil, agradável, o livro prende o leitor de seu início ao fim, como se diz: ‘livro para ser lido numa sentada’.

Desmascara mitos ao estabelecer correlação com outros transtornos existentes.

Traz um foco muito interessante sobre o borderline na idade adulta, inclusive, muito rico em depoimentos.

Insiste da necessidade de um correto diagnóstico para a eficácia no tratamento. O contrário pode trazer prejuízos acentuados, inclusive, com a ilustração por parte de um paciente tratado por longos anos de maneira equivocada.

Dedica um capítulo a discussão da imputabilidade e inimputabilidade do portador de borderline.

Ao final, um depoimento emocionante de Lola, uma border adulta problema por ter sido uma criança interrompida. ...'Ele se aproximou e tocou meus pés, massageando-os, depois foi subindo e prosseguiu a massagear minhas coxas e penas, lembro-me bem da camisola de Minie que eu usava, hoje penso no contraste dessa cena! Quando me tocou lá... eu senti medo, confusão, mas ele era meu pai. Os encontros prosseguiram e aos oito anos senti a dor física de estar sendo penetrada, algo dentro de mim arrebentou, o sangue jorrou e minha infância se quebrou também. Não sei como aguentei calada, mas sei que a dor permaneceu por dias, senti febre e disse a minha mãe que não queria ir ao médico, de alguma forma eu lutei e sobrevivi. Meu pai era o catador de conchas, o estuprador, o pedófilo, quanta contradição!...'


Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)

17 de outubro de 2013

O MILAGRE DE SÃO BONIFÁCIO

Papisa Joana, livro do escritor grego, Emanuel Royidis, narra a história de uma inglesa que por conta de sua competência e ambição chegou ao Trono de Pedro, durante a Idade Média. Não se excluiu aos demais textos literários no que se concerne ao amor. Uma história envolvente entre uma noviça e um monge, cuja cegueira de amor lhe trouxe dores irreparáveis até o dia em que conseguiu a liberdade.

[Era chegado o momento de partir. Mas partir só. Como? Simples carícias com os dedos nos cabelos e o hálito quente na face foi o suficiente para que o amado esquecesse os maus tratos e até as traições. Cansado adormeceu. Ao acordar no dia seguinte procurou Joana por toda a cidade e não a encontrou. Havia partido para a cidade de Roma, em carona numa embarcação pertencente ao Bispo de Gênova, substituindo o padre que morrera durante a viagem. Numa noite, São Bonifácio a quem Frumêncio havia gritado por socorro pelo abandono de Joana, apiedado pelo sofrimento do monge beneditino, desceu dos céus abriu o peito do rapaz adormecido com uma faca, enfiou os dedos santificados na ferida e dali retirou o coração, mergulhando-o num buraco cheio d’água previamente benzida. O coração que ardia chiou na água benta como anchova em frigideira. Quando esfriou, o santo recolocou-o no lugar e, depois de haver fechado a ferida, regressou ao céu. [...] Dali a pouco passou por ele (o monge) uma jovem ordenhadora, carregando a ânfora de leite na cabeça e uma grinalda de flores na mão direita. Chamou-a e desfrutou-a completamente. E quando Amarilis tirou a moeda de cobre dos dedos dele, beijou-lhe a mão e seguiu o caminho... Frumêncio, em pé, quedou-se a contemplá-la, compreendendo, pela primeira vez, que na vida, havia outras mulheres no mundo além de Joana].

São Bonifácio pode ser substituído pela ressignificação da vida, ou com a ajuda de terapias, às vezes, implicando até em tratamento medicamentoso. A ninguém é dado o direito de conviver com a pior de todas as dores - a dor do vácuo emocional provocada por um vazio crônico; a dor - de quem se legitima no outro, pela perda da identidade; a dor - de quem vive os excessos de sentimento; a Dor - de quem é só emoção; a dor - de quem não ama, depende; a dor - de quem vive uma situação limítrofe entre a neurose e a psicose.


Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)

12 de outubro de 2013

ISSO DIZ MUITO!...


Charles Kiefer em seu livro ‘para ser escritor’ faz um questionamento deveras interessante: ‘Alguém teria a coragem de se anunciar escritor sem livro publicado? Escritor de Blog? Ele mesmo responde: Não, ainda não. Ainda não é possível ser escritor somente em blogs. Nem sabemos se um dia será. E observa: Talvez o blog seja isso mesmo: um espaço de treinamento, um espaço gaveta em que guardamos os nossos originais até a chegada da hora de fazermos a seleção do material para a publicação em livro, com capas, orelhas e cólofon. E vaticina: O cinema não matou o teatro. A internet não matará o livro.

Sempre li muito. A própria escolha de ser professor e não estar professor exigia isso. Também gosto muito de escrever. Principalmente depois de aposentada a Tribuna Escolar, a sala de aula. Os jornais levavam minhas opiniões a uma parcela da sociedade até onde alcançavam. O mesmo com relação às revistas. Estive como cronista, articulista e editor.

Hoje moro no lugar onde as luzes da cidade não apagam o brilho das estrelas, o campo. Você que me lê neste instante já observou isso? Na roça o céu é muito mais estrelado. Senti isso quando solitário num rancho de pau-a-pique coberto com folhas de buriti na região do ‘Batan’, em Goiás. Lá não existia energia elétrica. Passava meus finais de semana na companhia de um rádio de pilha e a luz de um lampião a querosene. Quando estiver numa propriedade rural faça isso! Apague todas as luzes e olhe para o céu.

Com esse negócio de internet facilitou tudo. Até a roça mudou. A contemplação que existia para com o céu estrelado, a lua, o sol nascente ou poente foi engolida pelo tal de Facebook. Mas voltando ao assunto do blog. Como sou muito desorganizado e escrevo em tudo que encontro pela frente, caderno, livro, folha de papel A-4, verso de nota fiscal, computador, não precisa de lhe dizer, caro leitor, que quando necessito de algum de meus escritos é aquela loucura. Então resolvi seguir os conselhos de Charles Kiefer. Primeiramente criei um blog onde escrevia de tudo. Mas, as pessoas não gostam de ler ‘de tudo’. Em função disso criei vários blogs, cada um abordando um tema. Atualmente são cinco, e este texto se deve ao acontecido quando fui preparar o primeiro post para o sexto. Assim que abri um livro para ler e resenhá-lo encontrei um escrito na 2ª página que achei pertinente ao propósito deste blog.

‘Estar só, não é muito das vezes não enxergar ninguém à sua volta quando dos momentos mais difíceis; é sim, ser rejeitado por aqueles que nem lhe conhece. Isto sempre acontece comigo. Eu, 13/03/1988’.

Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)       

8 de outubro de 2013

CORAÇÕES DESCONTROLADOS, Ana Beatriz Barbosa Silva. 2ª edição, Rio de Janeiro: Editora Frontanar, 2012.

Ciúmes, raiva, impulsividade – o jeito borderline de ser - 

Médica, professora, palestrante, escritora, graduada pela UERJ com pós-graduação em psiquiatria pela UFRJ, a autora é referência no tratamento de transtornos mentais. A linguagem precisa, correta, clara, simples, concisa e expressiva; o jeito professoral de falar e didático no escrever, a transformou numa profissional requisitadíssima em programas televisivos, o que, de certa forma, desmistificou e popularizou temas como os transtornos de comportamento.

O livro aborda o Transtorno de Personalidade Bordeline caracterizado por comportamentos explosivos de raiva, tristeza, impulsividade, teimosia, instabilidade de humor, ciúmes intensos, apego afetivo, desespero, descontrole emocional, medo da rejeição, insatisfação pessoal de forma freqüente, intensa e persistente que ‘acabam por produzir um padrão existencial marcado por dificuldades de adaptação do indivíduo ao seu ambiente social’.

Dois aspectos chamam a atenção na construção do livro. O primeiro é que os capítulos são abertos com uma citação literária ou letra de música, contextualizadas. Uma pergunta: houve a criação de um personagem pelo poeta ou letrista, ou ele se retratou? Segundo, é que a ilustração com casos reais vividos em consultório dá uma compreensão maior e melhor sobre o transtorno.

Estar border, parecer border e ser border, eis a questão!

A autora esclarece:

O estar border ‘sempre se restringe a uma situação, na qual nos sentimos rejeitados, fortemente frustrados ou demasiadamente estressados. Passado algum tempo, pouco em geral, tendemos a nos reorganizar e seguir em frente’. O parecer border ‘já implica uma maneira de ser e agir que lembra a personalidade borderline, mas essas pessoas não preenchem os critérios diagnósticos necessários para serem classificadas como portadoras do transtorno propriamente dito. Elas apresentam, inequivocamente, alguns sintomas característicos do transtorno ou, ainda, vários deles. No entanto, a intensidade e a freqüência dos mesmos são insuficientes para caracterizar o caso clássico de personalidade borderline. Em situações como essa, costumamos usar o conceito traço. E, ser border, é ser portador de, no mínimo, cinco das características descritas por um período de pelo menos um ano (em contextos sociais diferentes) para que o diagnóstico possa ser estabelecido de fato.

Características descritas:

1ª – Impulsividade potencialmente perigosa em pelo menos duas áreas (exemplo: gastos excessivos, promiscuidade, direção perigosa, abuso de drogas, compulsão alimentar etc.).
2ª – Ira inapropriada e intensa ou dificuldade para controlá-la.
3ª – Instabilidade afetiva devido a uma grande reatividade do estado de humor.
4ª – idéias paranóides transitórias relacionadas a estresse ou sintomas dissociativos graves.
5ª – Alteração de identidade: instabilidade acentuada e resistente a autoimagem ou do sentimento do self.
6ª – Um padrão de relações interpessoais instáveis e intensas.
7ª – Esforços frenéticos para evitar um abandono real ou imaginário.
8ª – Ameaças, gestos ou comportamentos suicidas recorrentes ou comportamentos de automutilação: 90% dos bordelines irão cometer uma tentativa de suicídio e, desses, 10% serão bem-sucedidos.
9ª – Sentimentos crônicos de vazio.

Caro leitor, abro aqui um parêntese para uma advertência. Autodiagnóstico em transtornos de personalidade é o mesmo que automedicação em doença orgânica. Requer a presença de um profissional habilitado. Principalmente neste caso, onde, estar border não é o mesmo que parecer border, menos ainda ser border.

Amy Winehouse, ‘explosiva, encrenqueira e talentosa’; Marilyn Monroe, ‘bela, sexy e imoral’; Tony Curtis, ‘ascensão e queda de um astro’; Janis Joplin, ‘a aloprada do rock’; Elizabeth Taylor, ‘filmes, vícios, luxo e sete maridos’, celebridades com suposto funcionamento borderline em recorte biográfico pela autora.

Finalmente, uma posição encorajadora exarada pela autora [...] ‘podemos observar que a melhora é possível em 100% dos casos. Não estou aqui me referindo a uma cura milagrosa ou mágica, até porque não podemos esquecer que, antes de tudo, o transtorno de personalidade borderline é uma forma de ser e, sendo assim, não há como negar, desmerecer ou mesmo mudar de maneira radical essa realidade. O que queremos e a que nos propomos é transformar, de forma paulatina e consciente, o paciente que sofre em uma pessoa minimamente estável, feliz e apta a atingir seu potencial, a fim de ser o melhor que ela pode ser.


Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)

5 de outubro de 2013

Conexões

05/10/2013 – Ao abrir o computador e buscar uma conexão com a internet, uma mensagem de suspensão temporária dos serviços. Isto foi o bastante para a explosão. Nem mesmo havia aberto minha biblioteca onde passo em média de oito horas por dia, muito menos feito minha prece. Se você perguntar se creio, responderei com toda sinceridade d’alma - não sei. O que sei é que a prático todas as manhãs. Vou até a cozinha e tomo um café. Dirijo-me à biblioteca. Ligo o meu companheiro de leitura, um rádio adquirido nesses ‘camelódromos’ da vida, by in Paraguay (gosto da grafia com ‘y’) que através de uma entrada para pendrive me possibilita a sonoridade de belas páginas musicais. O piano de Pierre Jancovic inicia o contraponto entre as notas mais agudas e as mais graves, característica desse virtuose. Vou a estante, e, numa seção específica, puxo um livro, coloco-o sobre a mesa, faço a oração e o abro aleatoriamente. A lição, vamos assim referir ao texto, possui o seguinte título: MALES PEQUENINOS, assinado por Albino Teixeira.


Uma observação: um escrito a mão utilizando-se uma caneta tinteira no espaço acima do título descendo pela margem lateral direita da página chama a atenção. Logo reconheço, a grafia é minha.



17/02/2004 – Me encontro num desconsolo único. Parece-me que quanto mais busco a Deus, tanto mais lhe rogo através de minhas preces – aliás, diárias - mais a obsessão toma conta de mim. Irado, encolerizado vou destruindo tudo pela frente. Estou com uma ideia fixa de que viver não vale a pena. Encontro-me só. Não mais conto com uma viva alma para amparar-me. Tenho receio de... Mas esta lição me traz algo de luz. Vamos vê-la, senti-la e assim crê-la. Nem mesmo as ‘Ave Maria’ de Gounod, Somma, Schubert me emocionam mais. Meu Deus, que será de mim!... (00h40min).

MALES PEQUENINOS

Guardemos cuidado para com a importância dos males aparentemente pequeninos.
Não é o aguaceiro que arrasa a árvore benemérita. É a praga quase imperceptível que se lhe oculta no cerne.
Não é a selvageria da mata que dificulta mais intensamente o avanço do pioneiro. É a pedra no calçado ou o calo no pé.
Não é a cerração que desorienta o viajor, ante as veredas que se bifurcam. É a falta da bússola.
Não é a mordedura do réptil que extermina a existência  de um homem. É a diminuta dose de veneno que ele segrega.
Assim, na vida comum.
Na maioria das circunstâncias não são as grandes provações que aniquilam a criatura e sim os males supostamente pequeninos, dos quais, muita vez, ela própria escarnece, a se expressarem por ódio, angústia, medo e cólera, que se lhe instalam, sorrateiramente, por dentro do coração.


Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)

29 de setembro de 2013

GAROTA INTERROMPIDA, Susanna Kaysen: São Paulo. Única Editora, 2013.

Diagnóstico quando da internação:
Reação depressiva psicossomática
Transtorno de personalidade tipo misto R/O 
Esquizofrenia não diferenciada

Diagnóstico final da doença:
Personalidade limítrofe – BORDERLINE

O que é o TPB – Transtorno de Personalidade Borderline -?

Borderline é uma palavra inglesa que pode ser traduzida como ‘limítrofe’ por colocar o ‘border’, indivíduo que se apresenta portador de TPB, no limite entre a neurose e a psicose. A neurose além de dar consciência ao indivíduo, embora fugindo do controle, leva o neurótico a ter consciência de seus atos, não perde a noção da realidade. Por outro lado, o psicótico não tem consciência de seus atos. Perde a noção de realidade.

O TPB é um transtorno que afeta substancialmente a saúde mental não só daquele que é portador, pois que, nada é pior que a dor sentida pelo ‘border’, mas também daqueles que o cercam. Quem convive com um ‘border’ tem que saber que convive com um ‘border’. Um possuidor de um vácuo emocional; um ser que não ama, depende; um indivíduo com um traço maravilhoso, porém, viceral; Uma pessoa que convive com a sensação de abandono; uma criatura que se define no outro; que não se julga digno de receber amor, daí a submissão; que vive num abandono real imaginário.

O TPB foi descrito em 1930 por Adolph Stem como uma patologia que permanece no limite da neurose e a psicose. As causas estão ligadas a uma infância traumática com abusos sexuais, famílias disfuncionais, separação de pais, e, existem aqueles que colocam ou apontam uma predisposição genética. Stem foi o primeiro que usou o termo borderline, em 1932, referindo-se a um grupo de pacientes que aparentemente exibia uma forma branda de esquizofrenia beirando a fronteira da neurose e a psicose. Na década de 60/70, do século passado, ocorreu uma mudança de pensamento sobre o TPB pensando-se numa fronteira de um transtorno afetivo do humor à margem da doença bipolar do humor, Ciclotimia Distimia. O TPB tornou-se um diagnóstico de transtorno de personalidade em 1980, com a publicação no DSM¹.

Pesquisadores acreditam que o TPB resulta de uma combinação que envolve uma infância traumática, componentes genéticos e acontecimentos estressantes durante a adolescência, além das disfunções no funcionamento cerebral.

Os sintomas são descritos em nove itens:
Medo de abandono
Raiva
Problema com identidade
Sentimento crônico de vazio
Impulsividade
Automutilação
Dissociação e ideias paranoicas
Histórico de relacionamentos instáveis
Mudança brusca de humor

Identificados cinco ou mais sintomas dos nove predefinidos o individuo é diagnosticado como portador de TPB - Transtorno de Personalidade Borderline –, todavia, somente um profissional especializado na área médica da psiquiatria pode atestar o diagnóstico, cujo tratamento base é a terapia, o medicamentoso aparece como viés. Existe uma preocupação com relação ao tratamento depressivo do ‘border’, pois se acredita que a depressão pode se apresentar na condição de comorbidade do transtorno e não ao contrário como muito se imagina, ‘no border pode ocorrer do sintoma da depressão ter origem na raiva, que, para não depositá-la nas pessoas, o border deposita em si mesmo’.

Uma observação é de que as mulheres são mais diagnosticadas do que os homens.

O livro foi levado à ‘telona’ numa produção em 1999. Dirigido por James Mangold, onde Winona Ryder interpreta Susanna Kaysen e Angelina JulieLisa RoweOscar de melhor triz coadjuvante para Angelina Julie.

Susanne Kaysen numa consulta a um psiquiatra foi diagnosticada como portadora de TPB – Transtorno de Personalidade Borderline –Tratamento: internação num Hospital Psiquiátrico particular, onde viveu por dois anos ao final da década de 60, do século passado. Ali, conhece um novo mundo. Um mundo de jovens garotas sociopatas, esquizofrênicas, depressivas e 'border', a própria Susanne.

Garota, interrompida – seja o livro ou o filme abriu uma discussão sobre a questão das doenças comportamentais, ‘Freud e seus seguidores acreditavam que todas as pessoas fossem histéricas; depois, nos anos de 1950, elas passaram a ser psiconeuróticas; hoje em dia, todo mundo tem personalidade limítrofe’, borderline. Qual será o próximo diagnóstico coletivo?

Freud inventou uma indústria. Nela você mente. Revela seus segredos. Com lexapro ou sem lexapro, você está salvo. Será?

Border ‘é o nome dado às pessoas cujo estilo de vida incomoda os outros’, Susanna Kaysen.

Nota:  ¹ = Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais.


Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)